Inicialmente tive dúvidas se embarcava na conversa. O medo de irritá-la com questionamentos invasivos existia o tempo inteiro. Medo de decepcioná-la com minhas histórias e ter minha vida desmascarada, assim, sem dó nem piedade. Você é sincera, preguiçosa, intrigante. Por sorte eu soube me controlar.
Sentamos no banco da praça por opção sua. Sentiu medo do meu convite para a casa de madeira à beira-mar. Compreendi, de fato. São atravessamentos que nos perpassam incontestavelmente. A nova chegada de um sujeito na vida de uma mulher é sempre delicada, mesmo que este não seja um serial killer perverso. Felizmente você se abriu para mim.
O banco estava molhado e nós topamos nos manchar. Ignoramos a chuva, a roupa, o quiosque barulhento e a tentativa de fingir sanidade. Eu sou insano, curioso e me cativo pelo mistério. Você entregou quase tudo que eu precisava.
O papo foi revelador. Você é bipolar, tímida, cismada e demissexual. Estávamos entregues. Por incrível que pareça, seus planos suicidas não me assustaram. A forma que me olhava desconcertava mais que a confissão de se matar afogada com pesos nos pés. Ali eu soube da nossa conexão. Nós nos dissecamos juntos, em plena luz da orla de Piatã. Me abri com você mais do que devia, mesmo quando existia a vergonha de reclamar do preço do sorvete. Nossas verdades sendo jogadas garantiram o melhor encontro de 2021.
Gosto de como me fez sentir. Não me julgou, não reprimiu, não estranhou meu desejo por homens. Foi aberta e disposta. Sorria com o dente incisivo central marcante sempre que eu me exibia. Você me indagava mais e mais, à ponto de esquecer da bolsa de cartas.
A conversa fluiu, leve e despretensiosa, tanto que acreditei nos seus convites. Foi muito fácil fantasiar com novos encontros nos rios da bacia hidrográfica baiana. Nosso futuro tem tudo para constatar. E só acredito nisso por uma razão: sou tão louco quanto você. Fodidamente louco.
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